A Construção do Espaço Geográfico
Na história a invenção da agricultura e de instrumentos como a foice e o arado primitivo,(http://cie6keditfundamental.jimdo.com/unidade-5-o-solo-e-a-agricultura-1/painel-17-agricultura-primitiva-e-moderna/) há aproximadamente 12.000 anos mudaram significativamente a maneira do homem se relacionar com a natureza, dando início a natureza humanizada, ocupada e transformada pelo homem. Constituída por aldeias, seus domínios principalmente pela atividade agrícola, que ocupavam grandes entornos da aldeia e do rio propiciavam grandes colheitas que possibilitavam a estocagem para consumo futuro e a troca de produtos como a cevada, o trigo, o azeite de oliva, o vinho de alguns que já estavam associados com a manufatura, dentre outros pequenos objetos de metalurgia e joalheria com outras aldeias, possibilitavam o aumento gradativo da ocupação por indivíduos, resultando na evolução da aldeia para a cidade.
Com o passar do tempo outras atividades foram agregadas à agricultura e
ao comércio, centralizando a economia da região em uma só cidade,
aumentando seu tamanho e domínio sobre outras aldeias e cidades. Desta
forma, surgiram as condições econômicas e políticas propícias para que
se formasse a elite econômica, os sacerdotes e governantes (que
geralmente eram constituídos pelos mesmos indivíduos), os exércitos
regulares e as religiões mantidas pelos templos. Comentando esse período
limítrofe entre a pré-história e a história, Don Cupitt, filósofo
inglês contemporâneo, escreve: “(…) as antigas mitologias acertam ao
dizer que os deuses foram os primeiros reis, os primeiros senhores da
terra e a primeira classe alta. É razoável postular que a crença nos
deuses desse tipo essencial se desenvolveu lentamente no período após
7.500 AC., quando tiveram início as atividades agrícolas e a fixação ao
solo. Os deuses corporificavam e eram as concentrações maciças da
autoridade sagrada e poder disciplinar, necessária para a evolução das
primeiras sociedades estatais. A única maneira de transformar um nômade
em cidadão era induzir nele o temor a um deus.” (Depois de Deus, Rocco
Editora, 1999).
A cidade e os campos agrícolas faziam parte da natureza dominada e
conhecida pelo homem; este era o seu lar. Ele estava familiarizado com
seus habitantes, os animais e as plantas, e com suas transformações; as
cheias dos rios e a seqüência das estações. Para além dos limites desta
natureza “humanizada”, relativamente ordenada e conhecida, encontrava-se
o caos, o mundo selvagem, sujeito à própria sorte e ainda não ordenado
pela ação do homem. Era um lugar a ser evitado, dominado por forças e
entidades estranhas e mais fortes do que o homem. Esta natureza
selvagem, contraposta à natureza humanizada – quase sua antípoda –,
estava localizada na floresta, nas montanhas isoladas e nos desertos,
nos pântanos, nos mares e nas regiões remotas. Este mundo era pouco
freqüentado; só aventureiros ou fugitivos lá penetravam. Ali habitavam
os animais selvagens, pessoas perigosas ou aqueles que por alguma razão
haviam se isolado da sociedade.
Na maioria das culturas esta região selvagem e desabitada era a
moradia dos personagens míticos, associados à religião e às lendas
populares. Como não lembrar da “Odisséia”, poema atribuído a Homero, no
qual são descritas as viagens de Ulisses pelo mundo “não-humanizado”,
habitado por criaturas como os gigantes Ciclopes, os antropófagos
Lastrigões e as Sereias, que atraiam para a morte aqueles que os
ouvissem. . Na visão de
mundo do Antigo Egito também havia uma fronteira imaginária entre o vale
do Nilo, onde se localizava a civilização (com todos os seus benefícios
materiais e espirituais para os vivos) e a região externa,
principalmente o Ocidente, para onde se estendia o deserto sem fim,
habitado por demônios e espíritos malignos.
Essa maneira de enxergar o meio ambiente, a dicotomia “humanizado e
não-humanizado” perdura através de toda a história da humanidade,
assumindo diversas formas, até que a partir do século XVI as Grandes
Descobertas, os avanços da Ciência e a crítica filosófica, passam
gradualmente a desmistificar a natureza “não-humana”, desembaraçando-a
de todo aspecto sobrenatural, que as regiões remotas e desabitadas ainda
tinham no imaginário popular. Ao final do processo de mudança de
paradigma, aproximadamente no início do século XIX, a natureza selvagem e
inexplorada deixava de inspirar medo ao sobrenatural, para despertar a
cobiça pelos recursos naturais, prontos a serem explorados.
Não é coincidência que o período de “desmistificação” da natureza
coincida com o surgimento do capitalismo e do desenvolvimento
tecnológico. O clima é de entusiasmo com o desenvolvimento da indústria,
dos transportes e do grande número de descobertas científicas.
Além disso, sempre pairava no ar a ameaça de que a natureza
“humanizada”, o local onde estavam as cidades e os campos, pudesse, por
causa de acidentes naturais (seca, inundação etc.) ou guerra, voltar ao
estado selvagem original, ocasionando o desaparecimento dos homens e dos
deuses (quantas cidades como Tróia e Persépolis não foram queimadas e
destruídas, voltando a ser “cobertas pela erva e tornando-se covil de
feras”, como relata a Bíblia?). Na era moderna, o homem passou a encarar
o meio ambiente natural como região a ser explorada e dominada, por ser
fonte inesgotável de recursos, prontos a serem transformados em
matéria-prima e produtos, destinados ao consumo humano.
Hoje, nossa civilização percebeu que há necessidade de mudar
novamente nossa visão da natureza. Desta vez, porém, de uma maneira
consciente, conhecedores que somos agora de todas as transformações da
História. Após vivermos completamente inseridos na natureza por centenas
de milhares de anos e depois de a temermos por outros milhares de anos,
para em seguida a explorarmos mais algumas centenas de anos, resta-nos
pouco tempo para entendermos a natureza e conhecermos as suas
limitações, que também são as nossas.